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23 de fev. de 2009

Comentário ao Evangelho do VII Domingo do Tempo Comum

«Alguns dias depois, Jesus entrou de novo em Cafarnaum. Logo se espalhou a notícia de que ele estava em casa. Reuniram-se ali tantas pessoas, que já não havia lugar, nem mesmo diante da porta. E Jesus anunciava-lhes a Palavra. Trouxeram-lhe, então, um paralítico, carregado por quatro homens. Mas não conseguindo chegar até Jesus, por causa da multidão, abriram então o teto, bem em cima do lugar onde ele se encontrava. Por essa abertura desceram o estrado em que o paralítico estava deitado. Quando viu a fé daqueles homens, Jesus disse ao paralítico: “Filho, os teus pecados estão perdoados”. Ora, alguns mestres da Lei, que estavam ali sentados, refletiam em seus corações: “Como este homem pode falar assim? Ele está blasfemando; ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus”. Jesus percebeu logo o que eles estavam pensando em seu íntimo, e disse: “Por que pensais assim em vossos corações? O que é mais fácil: dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, pega a tua cama e anda?’ Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder de perdoar pecados, -disse ao paralítico-: “eu te ordeno: levanta-te, pega tua cama, e vai para tua casa!”. O paralítico então se levantou e, carregando a sua cama, saiu diante de todos. E ficaram todos admirados e louvavam a Deus, dizendo: “Nunca vimos uma coisa assim”. (Mc. 2,1-12)

O progresso da leitura do texto do nosso Evangelista, aos poucos nos introduz até o centro do mistério salvífico; revela-nos como e aonde Deus chega ao homem. Nas leituras anteriores vimos Jesus na Sinagoga, que liberta um homem incapaz de se encontrar com Deus. Em seguida Jesus foi para a casa de Pedro e ali devolveu à sogra de Pedro a sua alegria de poder servir. A revelação de Jesus como Deus-presente-no-mundo torna-se cada vez mais intensa; no domingo passado lemos a cura do leproso, ora, todos sabiam muito bem o que isto significava, principalmente os sacerdotes e rabinos estudiosos da Escritura, todos lembravam a expressão do rei Ioram quando a ele se apresentou o general Naamã que era leproso: «Acaso sou eu Deus, que tem o poder de curar a lepra?» (cfr. 2Rs. 4,7). Mas Jesus havia curado um leproso...! Não era difícil tirar as devidas conclusões.

Hoje estamos diante de um dos aspectos mais profundos da salvação que alcança o homem; de uma libertação mais profunda do que a expulsão de um demônio, mais do que a cura da lepra; nada disso é comparável àquilo que Jesus dará ao paralítico.

Vamos acompanhar a leitura.

Após um período em que Jesus havia-se retirado em lugares afastados, voltou, discretamente, para Cafarnaum; possivelmente se hospedou na casa de Pedro. O texto diz: «soube-se»; indicando assim um conhecimento vago, incerto, mas suficiente para aqueles que realmente estavam interessados. Eis um pequeno indício que recebemos do Evangelista: enquanto a Sinagoga, o mundo representado por ela, com a sua maneira de entender a santificação (um objetivo alcançado pelo homem que tem um bom comportamento, que segue as regras religiosas e civis) precisa afirmar com o seu poder a necessidade de ir ao Sábado para o culto, as pessoas que estão em busca de algo a mais não se contentam com isto, correm atrás daquilo que realmente os toca. As pessoas bem dispostas buscam sempre aquilo que sabem que as conduz para Deus, e sabem aonde encontrar aquilo que sacia a sua sede; independentemente das propostas que o sistema religioso às vezes possa impor. Obrigar as pessoas a agir de um modo ou outro em relação a Deus é assinar a própria insuficiência em relação à sua busca autêntica; é isto que fazia também a Sinagoga.

O texto continua cheio de um simbolismo muito bem compreendido pelos leitores da época, talvez um pouco menos pela nossa linguagem, mas procuraremos facilitar.

Temos imediatamente um jogo de palavras muito interessante: «Reuniram-se ali…». Esta expressão, na língua grega (sunhcqhsan), usa o mesmo verbo que deu origem à palavra “Sinagoga” (sun-ago, que significa reunir-se). A casa de Pedro, então, é a nova Sinagoga, o novo lugar onde Jesus se deixa encontrar por aqueles que realmente estão à procura da verdade, da relação pessoal autêntica e que sabem ir além dos preceitos e da auto-justificação. A casa de Pedro é a comunidade daqueles que não se contentam com aquilo que o sistema religioso lhes oferece, mas buscam um encontro com Jesus porque sabem de estarem precisando, pessoas que sabem e agem como necessitados.
A partira daqui Jesus pode agir realmente dando tudo o que o sistema não pode dar. Esta é a diferença de fundo entre o antigo e o novo encontro que Deus está propondo através e em Jesus. Agora imaginemos a cena: pessoas apinhadas diante da porta da casa de Pedro a poucas centenas de metros da grande Sinagoga de Cafarnaum, de onde um grupo de peritos em Escritura estava observando, numa posição de crítica implícita, escondida, procurando o momento certo para atingir e desacreditar diante das pessoas a nova proposta de Jesus. O momento propício não tardou a aparecer. A, a multidão é uma barreira para chegar a Jesus, porta não é suficiente, a situação é desajeitada, pois se é difícil para uma pessoa chegar perto da porta como fazer com um paralítico deitado num estrado? A criatividade nunca falta quando queremos realmente alguma coisa, foi assim que os quatro inventaram de abrir o telhado; diríamos: “se não dá pela terra, entra-se pelo céu”, o importante é a vontade e determinação de ver Jesus, mesmo que aparentemente tudo possa levar a desistir, mesmo que o caminho mais fácil seja aquilo de dizer: “não dá!” –o que seria verdadeiro e plenamente justificado. Eis então mais um pequeno ensinamento que nos dá o Evangelista: se é verdade que nem sempre é fácil se encontrar com Jesus, a determinação movida pelo amor, a firmeza em não procurar o caminho mais fácil (que é sempre aquilo da desistência), a capacidade de “inventar” situações novas, etc... tudo isto é “visto por Jesus como um ato de verdadeira fé”: «Quando viu a fé daqueles homens…». Eis que se nos revela a essência da fé: não é ritualismo, não é auto-suficiência, não é auto-justificação, mas é um “sentir-se necessitados” de Deus a ponto de fazer qualquer coisa para chegar o mais possível perto do Senhor, onde Ele está e onde Ele se faz encontrar.

Cabe, creio, uma outra pequena observação: o paralítico, embora seja o sujeito beneficiado, na verdade não é o centro da narração. Sequer sabemos se ele acreditasse que poderia ser curado, com certeza não estava em paz com Deus, nem sabemos se ele quisesse ir ao encontro de Jesus.
Sabemos somente que “outros” o carregaram até o Senhor. Como não ver nisto a força da comunidade de fé que carrega aquele indivíduo que está paralisado em seu sofrimento e que já não tem mais no que acreditar? Como não ver a grande missão de recíproca responsabilidade que temos uns para com os outros, em espécie os mais fracos? Os quatro fizeram o que é justo: sabiam de não poder pretender, então carregaram. Quantas vezes fazemos o contrário? Quantas vezes ao ver uma pessoa que está numa situação negativa, que nem se concede mais o esforço para acreditar que haja uma saída, pretendemos, exigimos, forçamos para que ela saia daquele estado... mas não nos preocupamos de “carregar” ela, mesmo que aparente ser um “peso morto”?
Quantas coisas poderiam mudar se por alguns momentos tivéssemos presente as palavras de São Paulo: «Suportai-vos uns aos outros» - ou seja: sejais de suporte recíproco- (Col. 3,13)!

A fé daqueles homens alcançou resultados maiores daquilo que eles esperariam: o encontro com Jesus se transformou para o paralítico em libertação do maior dos males, que é a incapacidade de se abrir a Deus. Jesus se tornou, assim, o trâmite pelo qual o paralítico pôde reencontrar o seu Deus do qual não esperava mais nada. Tudo isto, todo este profundo milagre é expresso por um comando de Jesus, o mesmo vocábulo que os Evangelistas usam para indicar a Ressurreição, a decisão do “Filho Pródigo”, do cego: «Levanta-te», como para dizer: “agora ande com teus pés, saia desta situação maligna de trevas que estão ainda em ti porque Deus já perdoou teus pecados antes mesmo que lhe pedisses”.

Um milagre que, se não foi possível pela fé de um homem, se tornou possível pela fé de alguns. Este é um grande mistério da nossa comunidade de fé!

Levanta-te (Desperta! ) usato anche nella ressurreição

Ele veio dar aqueles dons que a Lei não consegue dar
Nenhuma lei consegue ensinar a amar.
O pecado paraliza o homem; ouvir a palavra é já o primeiro passo contra o pecado: Jesus leva a cumprimento aquilo que já aconteceu no coração do homem, mesmo que não tenha sido ele pessoalmente mas sim os quatro.
Somente Deus pode perdoar o pecado, como somente Deus pode curar da lepra (Naamã 2Rs. 5,7).

A misericordia e o perdão devolvem acima de tudo a dignidade e, por consequencia o resto: o homem pode começar a sua caminhada, carregando consigo o símbolo do evento que o libertou.

Sun ago: sinagoga, não mais aquela de Cafarnaum, mas a casa de Pedro ? Igreja ? não tem lugar diqnte da porta, então é preciso descer do céu.

Que Deus te abençoe!

Pe.Carlo Battistoni, FFCIM
fonte: http://www.regiaose.org.br/

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